Conspiração contra o papa…

IstoÉ

O papa Francisco nunca esteve tão ameaçado. As forças conservadoras se impõem sorrateiras no Vaticano e fazem, neste momento, um ataque coordenado ao sumo pontífice, que tenta trazer um sopro de renovação para a Igreja. Chegou-se a falar nas últimas semanas em “guerra civil católica”, golpe de Estado e até num pedido de renúncia de Francisco. O epicentro da oposição a um dos papas mais populares da história é a ala tradicionalista da Igreja norte-americana, que enfrenta inúmeras acusações de abusos sexuais e tem reagido a qualquer avanço liberalizante. Um dos principais detratores de Francisco é o todo-poderoso cardeal Raymond Burke, afastado no ano passado da Ordem de Malta, uma organização humanitária católica criada no século 11, durante as Cruzadas, e da presidência do Supremo Tribunal Canônico por causa de sua posição radical contra os homossexuais. Depois do afastamento de Burke, que inspira a direita conservadora dos Estados Unidos e continua atuando forte nos bastidores, cartazes com críticas a Francisco afirmando que ele “decapitou a Ordem de Malta” e que lhe faltaria misericórdia foram espalhados por Roma.

Desde então, a oposição ao papa cresceu até ganhar contornos de crise no início deste mês, durante sua visita à Irlanda. Na ocasião, uma carta de autoria do antigo embaixador do Vaticano nos Estados Unidos, o arcebispo italiano Carlo Maria Viganò, divulgada em diversos órgãos católicos conservadores, apontou que o papa acobertou denúncias de abuso sexual de meninos e adultos seminaristas contra outro cardeal norte-americano, Theodore McCarrick, ex-arcebispo das dioceses de Nova York e Washington. Em julho, Francisco aceitou a renúncia de McCarrick, mas, segundo Viganò, o papa conhecia o teor das denúncias contra o cardeal há cinco anos e se omitiu durante todo esse período. Diante da falha, o arcebispo italiano pediu a renúncia do pontífice. Na Irlanda, como vem acontecendo em todas as suas viagens, Francisco se reuniu com vítimas de assédio sexual e pediu perdão por abusos cometidos por membros da Igreja. Há, porém, uma sensação geral de que apesar do empenho do papa em combater esses crimes, a resposta aos escândalos tem sido lenta e haveria uma falta de providências concretas para compensar as vítimas. Na viagem do papa ao Chile, em janeiro, essa insatisfação havia ficado clara.

Continua…

O que incomoda os conservadores não são os crimes, mas a posição tolerante do papa em questões comportamentais, como o homossexualismo, o aborto e o divórcio. No ano passado, dezenas de teólogos acusaram Francisco de se afastar da doutrina católica e de divulgar heresias na exortação apostólica “Amoris Laetitia”, um documento com nove capítulos que abriu a possibilidade para que católicos divorciados ou casados novamente recebam a comunhão. O próprio Raymond Burke declara que a posição inclusiva do papa em relação às minorias ameaça o futuro do catolicismo e tem um caráter herético. De um modo geral, Francisco vem defendendo, simplesmente, uma postura menos rígida em relação aos desvios de seu rebanho, além de incentivar os fiéis a cuidar dos pobres e acolher imigrantes e refugiados. Essa postura incomoda os grupos conservadores. Enquanto isso, a Igreja norte-americana tenta lidar com revelações divulgadas no mês passado em um relatório da Suprema Corte do estado da Pensilvânia, que acusa cerca de 300 padres de terem abusado de mais de mil crianças nos últimos 70 anos. O relatório afirma que as lideranças católicas silenciaram diante dos crimes.

Em sua carta, Viganò relaciona o acobertamento das denúncias contra McCarrick à tolerância do papa ao homossexualismo. O arcebispo declara que revelou pessoalmente as acusações contra o ex-cardeal e que, mesmo assim, Francisco levantou as sanções que já haviam sido impostas secretamente contra McCarrick por Bento XVI. Segundo o documento, o papa anterior havia proibido McCarrick de celebrar missas e determinou que o cardeal fosse viver em um seminário. Francisco não só teria levantado as restrições, como também permitido que McCarrick o ajudasse na indicação de bispos nos Estados Unidos. “Ele (o papa) sabe desde junho de 2013 que McCarrick era um predador em série”, afirma Viganò. “Neste momento extremamente dramático para a Igreja universal ele tem de assumir os seus erros e, para cumprir com o proclamado princípio da tolerância zero, deve ser o primeiro a dar o exemplo aos cardeais e bispos que encobriram McCarrick, e apresentar a renúncia juntamente com todos eles”, completa. Viganò, de 77 anos, também tem seus pecados. Ele já foi acusado de tentar encobrir uma investigação sobre a conduta sexual inadequada de um arcebispo de St. Paul-Minneapolis e esteve envolvido no escândalo “Vatileaks”, em 2012, em que documentos do Vaticano foram vazados. Em seus tempos como representante diplomático em Washington, ele se aproximou dos círculos católicos conservadores dos Estados Unidos, grupos organizados e bem financiados.

A carta de Viganò foi considerada uma declaração formal de guerra à Francisco e uma tentativa de reativar a velha ordem representada por Bento XVI, atualmente papa emérito, que estaria plenamente ciente das manobras dos conservadores norte-americanos e dos ataques a Francisco. Burke declarou, em entrevista à imprensa italiana, que caso as alegações de Viganò se confirmem, “sanções apropriadas” devem ser aplicadas contra o papa. O próprio Francisco, na viagem de regresso da Irlanda para Roma, foi questionado sobre o documento, mas não quis comentar as acusações. Ele apenas sugeriu que se prestasse atenção na origem das denúncias. “Li o comunicado esta manhã e tenho que dizer a todos os interessados: leiam o documento atentamente e julguem-no por vocês mesmos”. Francisco também respondeu a uma pergunta sobre o que os pais deveriam dizer a um filho ou filha que se declare gay: “Não condene. Dialogue, entenda”, afirmou. É justamente o que seus detratores renegam.

Por Vicente Vilardaga